Grande parte da carreira do pesquisador brasileiro Ulisses Mello foi
construída nas cadeiras de universidades no exterior e no laboratório da IBM em
Nova York, onde se concentram as principais pesquisas da companhia no mundo.
Agora, quase duas décadas depois, ele está de volta ao país. Na bagagem, além da
experiência internacional, Mello traz um desafio: liderar o Centro de Soluções
para Recursos Naturais da IBM, parte do laboratório recém-inaugurado pela "Big
Blue" no país e o primeiro da companhia no hemisfério sul. "É parte da minha
missão direcionar as pesquisas para que elas tenham impacto local, mas possam
ser usadas globalmente", diz.
Mais que um caso pontual, o exemplo de Mello expressa uma nova tendência
entre as grandes companhias de tecnologia da informação e comunicação (TIC): a
de desenvolver, no Brasil, sistemas e produtos que possam ser adotados e
vendidos em qualquer parte do mundo. Os exemplos incluem um software para
impressão à distância da Hewlett-Packard (HP), um sistema de prevenção de
enchentes da IBM e um programa de monitoramento de caixas eletrônicos da Diebold
- todos com DNA brasileiro. "Fomos promovidos de liga", brinca Paulo Iudicibus,
diretor de novas tecnologias e inovação da Microsoft, que também está reforçando
os investimentos em pesquisa no país.
É difícil saber qual o volume total de recursos aplicado no Brasil porque boa
parte dos valores é mantida em sigilo pelas empresas. Entre 13 grandes
companhias selecionadas pelo Valor, todas com atividades de pesquisa no Brasil,
os aportes variam de R$ 35 milhões a R$ 3 bilhões, dependendo do intervalo de
tempo do investimento. A americana EMC, por exemplo, anunciou no fim do ano
passado um aporte de US$ 100 milhões em cinco anos para construir um centro de
pesquisa no Brasil.
Mesmo sem um valor total do setor, há outros indicadores que tornam evidente
a atenção despertada pelo país. É o caso do número de pesquisadores contratados.
Somados, os times próprios e os profissionais de universidades envolvidos nos
projetos das 13 companhias consultadas chegam a 2,7 mil pessoas.
Esse panorama é reforçado por uma pesquisa da Grant Thornton. Depois de
consultar 2,8 mil empresas em 40 países, o estudo aponta Brasil e Alemanha como
os países que vão liderar o aumento dos aportes em pesquisa e desenvolvimento em
2012. Na divisão por segmentos, o setor de tecnologia destacou-se entre os que
planejam ampliar seus investimentos: 39% das companhias de TI responderam que
planejam reforçar os orçamentos na área, contra uma média global de 25%.
Um conjunto de variáveis explica esse cenário. Curiosamente, as diferenças de
desenvolvimento entre as regiões geográficas do país e a disparidade de estágio
tecnológico entre os vários ramos de atividade econômica funcionam como um
atrativo. Isso permite testar novidades em ambientes que vão da exclusão digital
até ilhas de excelência em tecnologia de ponta. "O Brasil é uma boa amostra do
planeta e um ótimo lugar para uma empresa colocar-se à prova em qualquer
situação", diz Iudicibus, da Microsoft.
A exigência de aporte em pesquisa prevista em mecanismos de isenção fiscal,
como a Lei do Bem e a Lei da Inovação, também tem funcionado. Em média, a
contrapartida de investimento expressa nessas leis é de 5% da receita das
empresas. Embora não revele números específicos, a maioria das companhias
consultadas informa investir mais que os percentuais exigidos.
A preferência pelo Brasil não é exclusiva. Prevalece nas companhias de TIC a
orientação de distribuir as atividades de pesquisa em vários países. Pouca
coisa, hoje, é feita integralmente em um único local. Essa interdependência vem
reduzindo a necessidade de investimentos em centros de grande porte, com
centenas de pesquisadores e somas vultosas. O centro de inovação aberto pela
Telefônica no Brasil em 2011, o primeiro fora da Espanha, conta com uma equipe
de 25 pessoas e responde pelo desenvolvimento de inovações globais em serviços
de vídeo e redes de transmissão.
Com a diversificação, a estratégia das empresas é aproveitar as vantagens de
cada país, criando centros com competências diferentes. "No nosso caso, somos
fortes em software de tarifação e gestão de receitas", diz Lourenço Coelho,
vice-presidente de estratégia e marketing da Ericsson na América Latina. Com
cinco centros no Brasil, a empresa investiu R$ 900 milhões em pesquisa no país
em 15 anos e registrou 40 patentes brasileiras na última década.
Instalado desde 2003 em Porto Alegre, o centro da HP é mais uma unidade com
foco em produtos globais. A equipe brasileira desenvolveu o ePrint, software que
permite imprimir documentos a partir de dispositivos móveis, como smartphones e
tablets. Antigo projeto da HP, o sistema está sendo adotado mundialmente.
"Criamos uma reputação dentro da HP e construímos uma visão de valor agregado,
distante dos projetos focados no baixo custo por engenheiro", diz Cirano
Silveira, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da HP no Brasil.
A área local de pesquisa da Microsoft também vem galgando posições na
hierarquia da companhia. A equipe brasileira desenvolve ofertas globais dentro
das linhas de software SharePoint e Microsoft Dynamics, além de ser a
ponta-de-lança de novos recursos no Messenger, serviço de mensagens
instantâneas.
Uma das criações "made in Brazil" que contou com o apoio da Microsoft foi
obtida a partir de um dos programas de apoio da companhia a universidades e
empresas novatas. É o software ProDeaf, criado por alunos da Universidade
Federal de Pernambuco. O sistema permite a comunicação em tempo real de
deficientes auditivos por celular. A tecnologia traduz voz ou textos para a
linguagem de sinais, que, por sua vez, é interpretada por um personagem animado
em 3D. A Microsoft não descarta a possibilidade de criar produtos baseados no
sistema, diz Iudicibus.
Muitos centros têm um papel de mão dupla. Além de produzir tecnologias para
adoção internacional, eles servem para adaptar às condições brasileiras -
legislação, impostos etc - softwares e tecnologias já disponíveis no exterior.
Mesmo nesses casos, a avaliação é de que há uma oportunidade de que o
conhecimento gerado ultrapasse as fronteiras e seja útil tem outros lugares.
"Temos muita relevância em recursos naturais, finanças e agronegócios. Tudo
aquilo que for feito em cima dessas competências terá muita chance de ganhar o
mundo", diz Luís César Verdi, presidente da SAP no Brasil.
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